São 18 horas e me dirijo à
minha habitual rotina de ir para casa. Bater ponto, levantar, pegar minha
mochila e sair corredor à fora dando até amanhã para as pessoas de sempre.
Engraçado como essa semana tudo parece mais monótono que de costume, como se eu
simplesmente tivesse me arrastando para fazer cada movimento do meu dia-a-dia.
A vida para a sociedade é como uma montanha russa. Um descontentamento
contente. Uma corrida. Uma luta. E essas batalhas diárias nem sempre são
vencidas por todos. Como diziam-me antigamente: a cada dia sai de casa um tolo
e um esperto. Acho que essa semana estou acordando como tola todos os dias. Tola
por estar me importando com coisas que sempre me importei, mas nesse momento
tudo parece ser inútil, e me dói demais. Tudo está me doendo demais, porém
estou anestesiada e ainda não descobri porquê. Talvez eu tenha me dado uma
injeção que nunca tive antes, para que eu possa entender que a vida é mais do
que toda essa atenção que eu esteja precisando. Quando digo precisando, me
refiro a uma necessidade ilógica, onde nem eu mesma entendo. É como se minha
vida só estivesse sendo vivida com isso. Precisar de alguém é comum entre
muitas pessoas, a questão envolve carência, como alguém precisa de vitamina C.
Entretanto estou nestes momentos anestésicos,
mas com lágrimas todas as noites onde me derreto em dores que tentei não sentir
durante minhas oito horas trabalhadas. Me desfaço em lágrimas que me aquecem
debaixo dos cobertores pesados dessa depressão que está aparecendo
pouco-a-pouco, e mesmo sabendo dessa presença, me nego a quaisquer sintomas.
Neste momento sou a anestesia da eutanásia que está dentro de mim e bate em meu
coração. E como se eu não percebesse acelera-o em momentos que não compreendo e
me fazem chorar e tremer várias vezes com esses pensamentos que surgem como
miragem no deserto, como o som distante do piano, como as gotas de chuva em um
dia de verão demasiado quente. A dor é tão latejante quanto um chute bem dado
na canela. Pudera eu ter por penitência infernal uma centena de chutes ao invés
dessa dor.
Apesar de tudo estou
diariamente entre idas e vindas amassada nesse metrô mas quieta, sem estresses
ou sorrisos, apenas quieta. Leio meus livros que se acabam em duas ou três
semanas cada, e com cada um deles eu me aqueço com a experiência que me invade
e a revolta que sobe pela garganta. Me sinto dentro deles, sofrendo como os
personagens, morrendo como eles, e morro sempre que os termino como se
enfiassem uma faca muito bem afiada dentro do meu peito para avisar que acabou
e que eu deveria reviver e recomeçar. Queria que minha vida recomeçasse como
cada livro que leio, que pudesse morrer com apenas uma dor e acordar sem
sangue, sem choro, sem lembranças. Mas cada dia que passa me pego desejando que
ele acabe logo, que as semanas passem logo, que ano pós ano se acabe e que essa
vida se esvazie como o meu peito sempre que respiro e inspiro o ar.
Sair do metrô é sempre um alivio e me deparo
com as pessoas de sempre, com as vidas de sempre e com os sorrisos e abraços de
sempre. Há uma alma que não sei o nome, mas faço questão de abraçá-la e deixar
que nossos corpos dividam aquela exaustão do dia cansativo que tivemos. Ele
sorri, eu sorrio e nos despedimos. Gosto dessa rotina de encontrá-lo e de ver
essa felicidade como se não víssemos o sofrimento que se esvai em nossos
olhares.
Em casa a calmaria que eu desejo nunca está,
e a sua ausência me incomoda, queria poder sair do banho e passear por cada
cômodo ouvindo o silêncio dos lençóis e dos ácaros que se remexem
invisivelmente por cima dos colchões. Mas apenas o banho me traz paz e
calmaria, e por lá eu fico e deixo a água fazer seu trabalho de tentar tirar
cada lasca de dor que se reprime em meus poros. E minhas lágrimas, mais uma
vez, escorrem junto das sujeiras que saem. A água está nitidamente clara, mas
sei que uma parte dessa dor obscura e suja se esvaiu. Dormir agora é a última
etapa para que eu consiga acordar sem nenhuma poeira de dor, pois sei que meus
choros noturnos marcam presença, batem ponto certinho, e me acordam às quatro
da matina para me lembrar dessas dores que rondam minha alma dia após dia sem
cessar.
Todos os pensamentos que
latejam nessa alma se mantém feito concreto que acabou de secar. São meus
fantasmas, meus amigos, minha família. São toda a atenção que eu sempre irei
ter.
(A Sonhadora)